quinta-feira, 29 de julho de 2010

RESPOSTA DA CARTA SOBRE O FECHAMENTO DO IPJ

Esta Carta-Resposta é da Carmem Lúcia Teixeira e vale a pena ler, refletir e reagir. Especialmente as Congregações Religiosas que tem como referencia de carisma a inserção no meio juvenil. O texto é longo, mas a leitura nos prende do inicio ao fim.

por Onivaldo Dyna, especializando em juventude.

Senhores e senhoras Provinciais do Conselho Superior do IPJ/RS,


Recebi a carta de vocês de 18 de junho de 2010, como muitas pessoas que trabalham com a juventude. As noticias que foram partilhadas provocaram uma comparação que desejo compartilhar com vocês que assinam a carta e com outras pessoas que foram afetadas pela mensagem.

sede do IPJ/RS por mais de 20anos
1. A carta chegou a minhas mãos nos dias em que minha família celebrava um mês da morte/ressurreição de nossa mãe. Digo “nossa” porque somos sete filhos/as. Fizemos uma experiência de 21 dias de hospital. Ela uma mulher com 77 anos de vida que pouco saía de casa. No corpo carregava uma experiência rural e gostava, muito, de conversar com as pessoas e de contar suas histórias, sempre alegre e acolhedora. Foi internada e, durante este tempo, muito poucas vezes ela teve oportunidade de ser escutada nos seus desejos e nas suas dores. Acompanhei cada passo, desde sua transferência para a UTI, até a morte. Durante o tempo de acompanhamento senti-me, muitas vezes, impotente diante da arrogância dos profissionais. Não sabia argumentar com eles/elas, nem propor outros caminhos, mesmo tendo certeza que muitos dos procedimentos não contribuíam para a melhora da nossa mãe ou mesmo seu conforto como pessoa.
hoje a antiga sede foi transformada em uma Faculdade de Design
Foi um sentimento muito forte de impotência diante de um esquema técnico, onde os profissionais dão muito
mais atenção para os resultados dos exames do que para a pessoa. Houve momentos deste caminho em que rezei, junto com minha mãe, com meus irmãos e com meu pai, para que a vontade de Deus fosse entendida neste mistério da morte/vida.
2. Mas... o que tem tudo isto com o IPJ? Ao ler a carta enviada sobre o fim do IPJ/RS, a experiência de morte vivida passou, outra vez, pelo meu corpo. Os sentimentos vividos no hospital com o corpo técnico adquiriu outros movimentos. Ao ler a carta, foi como ler o atestado de óbito. O Padre Hilário Dick, num dos vários textos que escreveu, já havia anunciado esta morte. Li o texto do Hilário e disse, para mim mesmo e para outras pessoas: “Gente, ele é literato. Ele escreve em sentido figurado. Não é verdade. As congregações que levaram este projeto de 30 anos são todas comprometidas em sua origem com os jovens... Não se preocupem, porque não morreu”. Nada me fazia acreditar na informação que trazia o texto. Ao ler, agora, a carta enviada pelo Conselho Superior, tive a nítida impressão de receber o atestado de óbito, onde os técnicos explicam a causa da morte. Porém, com algumas contradições na comparação, o IPJ tem trinta anos de vida. Com uma vitalidade no seu modo de estar no mundo e nas respostas à vida da juventude, na acolhida, na escuta. Para ocorrer a morte, neste caso, as escolhas no acompanhamento ou na terapia teve uma intenção nas escolhas nas drogas e nas intervenções que levaram a morte.
3. No caso da minha mãe, senti impotente porque não tinha as informações e os conhecimentos sobre medicamentos ou terapias possíveis. No caso do IPJ/RS foi pior, pela sua vitalidade e porque leio e consigo interpretar todas as letras do que está escrito e não me convenço que são sintomas de morte para um Instituto que serviu a Igreja do Brasil e da América Latina. A carta faz várias justificativas de quem não quer levar um trabalho onde a juventude seja sujeito e onde ela é provocada a se organizar. Nenhuma das justificativas se sustenta, porque elas não estão na direção do trabalho que o IPJ realizou nestes 30 anos. Justifica, sim, a falta de compromisso e de interesse por um projeto de Igreja e de sociedade e – o que bem pior - desde um lugar em que “o outro” é responsável por sua própria morte. Não assume a decisão de forma clara. É “no outro” – o IPJ – onde estão os problemas e não nas escolhas de cada grupo e pessoa que tomou a decisão. Os técnicos no acompanhamento tomam todas as decisões para a morte. Arranca de uma vez do lugar, fragiliza a equipe e provoca a falência múltipla. Poderiam ter escolhido a vida do IPJ, porém, a escolha foi uma morte lenta e sofrida.
4. Em um estudo sobre a sociedade que sonhamos e queremos, a pessoa que provocou a reflexão nos chamava a atenção de que estamos vivendo um tempo onde a sociedade/comunidade assume uma cultura do mercado e onde o prazer e o individualismo são tomados na sua forma máxima. Dizia a mesma pessoa que a nossa tarefa será a de fortalecer os agrupamentos, porque esta é a contribuição que temos, como cristãos, para oferecer à cultura. Em outras palavras: oferecer valores para uma cultura que atomiza e nos individualiza. A proposta de um trabalho com a juventude passa pela experiência do testemunho, como sempre, porque as palavras não convencem os jovens. A proposta do IPJ/RS tem na sua fundação um testemunho não só para a juventude que está fazendo seu caminho de afirmação de seus valores, mas para toda a Igreja que carece de testemunhas de comunhão. Uma obra, que não é de uma Congregação, mas de muitas. Somente isto já justificaria a sua existência, porque sua constituição, em um tempo onde a Igreja da América Latina olhou para seu chão e enxergou com mais evidencia a realidade juvenil, ouvindo o seu clamor, só pode ter sido uma coisa de Deus.
5. Essa realidade não mudou. São mais de 50 milhões de jovens entre 15 e 29 anos. Estamos vivendo, ainda, nestes tempos o que os demógrafos chamam de “onda jovem”. Também é certo que, para os próximos anos, já está previsto um declínio desta faixa etária e um crescimento das pessoas idosas. Aliás, ampliou as necessidades para mais serviços junto com os jovens. Sabemos que, como Igreja, o que oferecemos não alcança todos os jovens. Está aí, como prova, a prioridade da Conferência dos Religiosos do Brasil que expressa este desejo de romper os muros para envolver, em sua ação, não somente os jovens que já alcançamos. A prioridade não fala de abandonar os que estão sendo acompanhados.
6. Por outro lado, pela primeira vez na história da evangelização da Igreja do Brasil, os bispos dedicam duas assembléias para aprofundar o tema da Evangelização da Juventude, propondo vários caminhos, dentre eles fortalecer as estruturas de acompanhamento, reconhecendo os serviços dos Centros e Institutos e tomando, até, vários de seus estudos como referencia para a reflexão. Isto revela a atualidade dos Centros e Institutos nos serviços aos jovens. O Documento 85 também fala da constituição e fortalecimento de um espaço de articulação dos serviços, denominado Setor Juventude. Não fala, em momento algum, da eliminação de um ou outro grupo, como infelizmente vem acontecendo utilizando-se de argumentos que não se encontram no documento. Penso que a reflexão e as orientações doutrinais foram um avanço e que não pode voltar contra a juventude e contra o seu processo de evangelização. Não fica bem para nós, seguidores/as de Jesus, não acolher nesta Igreja aqueles/as que, no seu processo de vida, estão no momento de fazer suas descobertas e suas escolhas de valores para suas vidas. A experiência comunitária destes sujeitos jovens serão fundantes na sua história. Basta fazer memória de nosso caminho. Os grupos, tanto na Igreja como na sociedade, são espaços de salvação seja neste tempo ou em outros tempos, porque a amorosidade, o diálogo, o compromisso com a vida é o testemunho que somos convocados a viver em nossa missão como seguidores/as de Jesus.
7. Digo tudo isto como leiga que, com muita convicção, gastei e gasto o melhor da minha vida no serviço aos jovens e aos pobres. Digo “leiga” porque é deste lugar que já refleti várias vezes com quase todas as Congregações que compõem o Conselho Superior do IPJ/RS sobre juventude, a cultura juvenil e a atuação de nossas respostas junto aos jovens, em vários espaços de formação. Também foi com muitas pessoas, que formam parte destas Congregações, que já compartilhei sobre as exigências do seguimento a Jesus e a fidelidade à missão. Não posso me omitir agora, quando recebo a carta de vocês e que me chegou – como já disse - como o atestado de óbito, fornecido por que decide sobre a morte.
8. Foi neste espaço do IPJ que fiz, em 1987, o curso de Especialização em Pastoral da Juventude que abriu meus horizontes para a minha formação em Sociologia e, tantas outras experiências que tive oportunidade de viver como Igreja. Depois fui convidada para apoiar o CAJO, o Curso de Assessores de Jovens, por mais de 15 anos. Este espaço do IPJ contribuiu com meu processo de formação para atuar na Igreja e na sociedade e com tantos outros leigos/as, religiosos, sacerdotes. Este espaço atualizou-se sempre com pesquisas sobre a juventude; despertou, juntamente com outros institutos, para que o tema da juventude fosse tratado dentro da Universidade, iniciando um curso de pós-graduação em juventude; participou de vários espaços dentro da Universidade de pesquisas; contribuiu na formação de muitas dissertações e teses de doutorado sobre o tema.
9. Digo isto para evidenciar que o IPJ sempre esteve antenado com o debate sobre o tema da juventude e buscou atualizar-se nas suas dinâmicas e modo de oferecer propostas significativas e incisivas para a juventude. Claro que teve, sempre, uma opção, iluminado por Puebla, que marcou um caminho na Igreja da América Latina. Podemos dizer que este caminho de fidelidade e testemunho, como Igreja, foi mantido, colocando em prática as propostas organizadas pelo Conselho Episcopal Latino Americano, animador da Missão continental que brotou de Aparecida, através do Projeto de Revitalização da PJ Latino Americana.
10. A experiência da morte também me ensinou que a ressurreição é um fato. Vivemos intensamente a experiência que brota da comunidade que acolhe e ama na dor. E posso dizer que só reconhecemos a ressurreição na experiência comunitária porque fazemos memória da vida e da força que brota dela. A comunidade revela todos os dons do espírito e é, nesta força, que podemos renovar a nossa fé e reorganizar a vida.
11. A partir daí entendo que, se o grão de trigo não cair na terra, deixem os mortos enterrarem seus mortos... Vários outros fatos, narrados no Evangelho, são movedores da novidade. Por isso acho importante reconhecer, na mais profunda realidade, a graça que o IPJ foi para a Igreja. Quantas vidas foram movidas na direção de um Projeto comprometidas com o seguimento de Jesus, anunciador de Boas Noticias. Quero dar graças, por isso, pelo que o IPJ foi na minha vida e de tantas pessoas nesta América. Dentro todas as pessoas que por aí passou destaco a figura da Ir. Giselda Braga, mulher e jovem, que assumiu do lugar da fragilidade a profecia de continuar sem as estruturas o projeto com todos os seus serviços.
12. É tempo, portanto, de pedir ao Senhor da vida que desperte, em todos/as nós, criatividade, sabedoria e coragem para continuar no serviço à juventude para manter-nos fieis a Jesus e aos santos que, no seu tempo e na sua história, souberam ler a vontade de Deus e enxergaram, na juventude, um lugar de missão. 2010, no projeto latino de revitalizar a ação junto às pastorais de juventude, está marcado pelo movimento de discernir. Que o Senhor nos acompanhe nesta trajetória e provoque, em nós, conversão no caminho do discipulado.
Na oração e em memória da ressurreição de Pe. Floris (passionista e amigo da juventude)
Goiânia- GO, 16/ julho/ 2010.
Carmem Lucia Teixeira.

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